Há alguns dias, Seu Foguim Cabeça-de-Engole Espada, ilustre morador da Sambaíba, me emprestou um livro intitulado “Amando o inimigo”, de José Teles [Edições Bagaço, Recife].
A obra é uma espécie de adaptação da antológica tragédia “Romeu e Julieta”, de Shkspr.
Cenário, uma imaginária cidade do sertão pernambucano.
Fato é que o mote que me levou a rabiscar estas mal traçadas consiste na presença de um personagem folclórico, pária, deserdado e que, em consequência, acaba sendo vítima do sadismo e do mau-caratismo dos filhinhos de papai, eles têm prazer imenso em espezinhar os fudidos da base da pirâmide.
Zé Fubica.
Se encarnou nele o, digamos, espírito automobilístico, caracterizado num fusquinha. Ou seja, ele mesmo resolveu ser o próprio fusca…
E assim vivia Zé no seu cotidiano presente, pra cima e pra baixo, autodenominado veículo público.
Ladeiras, subindo na primeira, ponto morto nas descidas, essa a missão do saco de pancadas daquela juventude prenhe de deformações.
E daí, perguntaria o leitor, “que diacho tenho a ver com isso?”
Daí que Fubica me trouxe à memória que na minha terra tinha, nos anos 80s-90s, um jovem com esse mesmo perfil, se sentir um autêntico automotor.
Dão Caju.
Com uma diferença assombrosa.
Esse não se satisfazia com míseros quatro pneus.
Nele se incorporou uma carreta com um porrilhão de pneus-balões.
Quando andava, isto é, trafegava pelas ruas de Santa Maria era chumbo grosso, ronco de estraçalhar tímpanos até de surdo, Dão Trovão, ganhou outro apelido.
Vai-não-vai, uma parada pra reabastecer, afinal ninguém é, neste caso, de carne e osso.
Se engana quem pensa que esse tipo de estripulia só acontece em cidadezinhas baianas e pernambucanas.
No Oriente tem gente assim também.
Conferindo…
Assista o filme Dodeskaden, do genial Akira Kurosawa.
Nele, um dos principais personagens botou fusca e carreta no chinelo.
Com ele era na base de um possante automotriz, com direito a tudo e vagões.
O favelado de Tokyo todo dia de manhã cedinho fazia sempre igual: vestia seu lustroso uniforme e se transmudava num garboso maquinista de trem, até vazando do perímetro urbano.
E lá ia ele, sempre contente, entoando o mantra: dodeskaden, dodeskaden, na sequência diminuindo marcha, do-des-ka-den, do…-des…-ka…-den… [sinonímia de piuí-piuí na nossa língua], parada numa estaçãozinha, nosso herói maquinista puxando uma corda de mentirinha, trinando tal como sineta.
Três grandes figuras, uma real, duas fictícias, porém todas retratando sem retoques o capitalismo que destrói impiedosamente as gentes humildes.
Biblioteca Campesina, 22 janeiro 2023
(*) Por Joaquim Lisboa Neto, coordenador na Biblioteca Campesina, ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.
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