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Santa Maria da Vitória | Sua história e desenvolvimento (1)

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No afã de propiciar aprofundamento acerca da nossa própria história, queremos brindar as e os camaradas que nos acompanham com uma série de artigos fundamentais sobre a gênese desta terra de Santa Maria da Vitória, pela qual nutrimos um amor intraduzível em palavras.

Os textos, de autoria do professor e museólogo Manuel Cruz (1905 – 1990), foram originalmente publicados no jornal O Posseiro ao longo dos anos 80s.

 

 

Santa Maria da Vitória, Bahia, 9 de abril de 2016. Foto: Luciano Matos
Santa Maria da Vitória, Bahia, 9 de abril de 2016. Foto: Luciano Matos

 

Habitantes Primitivos

 

 

a opinião abalizada de Borges de Barros, a colonização da faixa ocidental do São Francisco, entre outros o segmento de Santa Maria da Vitória, obedeceu à orientação das Casas da Torre e do Tombo.

 

 

Entre nós, antes que o “homem branco” chegasse, a região era povoada, segundo conceito de Teodoro Sampaio na Carta Etnográfica, pelos índios “acroá” ou “pimenteira “ que, desde 1698, vagavam pelos  limites da Bahia com Minas Gerais, de um lado do rio Paracatu, Rio Carinhanha e Rio das Éguas até as cabeceiras do Rio Grande, na margem esquerda do São Francisco.

 

 

Evidentemente, nada temos a acrescentar às pesquisas de Teodoro Sampaio, pois tudo nos leva a crer que a entrada do silvícola, por estas bandas, tenha se processado tal-qualmente assinalou o festejado baiano.

 

 

Eloquente a prova do indígena na região do rio Corrente. Temo-la em ambas as margens deste rio, no aparado das serras, em lugares ermos e de alcance difícil, através de caracteres ideográficos gravados em zarcão, anil e preto, muitos deles já gastos pela insuficiência do material, a rocha calcária.

 

 

Mais recentemente, alguns pesquisadores visitaram as inscrições de “Furados”, na fazenda de Jaime José Pereira, no município de Coribe; a de “Pedra Escrita, na fazenda do Dr. Aziel Borges; a de “Pedra Pintada” e “Curralinho”, em Cana-Brava, município de Santana, de propriedade de João de Oliveira.

 

 

A inscultura de “Pedra Escrita”, porém, foi estudada pelo autor destas notas, que, não sendo arqueólogo, teve, no entanto, a veleidade de, em certos aspectos, definir a atividade momentânea do silvícola, sua cultura material, suas lutas contra um meio físico por demais cruel. Mas, à falta de dados etnográficos e linguísticos, não pôde obter elementos comparativos em ordem a identificar a tribo.

 

 

Subindo o rio das Éguas em 1792, o sertanista Francisco José Teixeira explorou não somente esta causal como seus tributários maiores – Arrojado e Formoso –. estendendo as explorações até aos espigões mestres que dividem Goiás com a Bahia.

 

 

Os cronistas que falaram sobre a bandeira de Francisco José Teixeira não fizeram, nos seus relatos, qualquer observação sobre se os homens que a compunham tiveram seus passos embargados pelos “acroá” ou por qualquer outra tribo.

 

 

Em 1794, em franca prosperidade os garimpos do Rio Rico, também chamado Rio das Éguas, aí apareceu um emissário goiano que, em nome do seu governo, reivindicava para a província de Goiás as terras onde os baianos, mineiros e lavristas lavraram o solo, à procura de ouro. O emissário goiano teve de pronto a recusa dos mineiros a respeito da entrega da terra. A negativa causou indignação às autoridades de Goiás que, em represália, organizou uma expedição armada, composta de soldados e bate-paus que, exigindo a posse da terra, arremeteu contra os garimpeiros do Rio das Éguas. Mas esta expedição foi batida e expulsa do território, o qual, por decisão da Metrópole, passou definitivamente a pertencer à Bahia.

 

 

Tiveram os garimpeiros por chefe, nessa luta, a figura de Francisco José Teixeira que deverá ter, certamente, na história de nossa província, lugar honroso.

 

 

Possível é que, em decorrência do choque de armas havido entre goianos e baianos, seguido de muitas escaramuças, o indígena tenha se apavorado. Tímido e cauteloso, deixou serenar o conflito observando de longe, resolvendo por prudência e bom senso, optar pelo abandono tranquilo da região.

 

 

Dizem os antigos que antes de o silvícola nos dar as costas, tivera o cuidado de pagar as nascentes d’água que lhe servia. Entretanto, legou-nos precioso cabedal etnográfico: as muitas urnas funerárias espalhadas por onde demoraram; restos de sua cerâmica e de sua arte soterrados ao pé das grutas que habitava ou lhe servia de sombra e aqueles caracteres ideográficos encontradiços nas serranias do Rio das Éguas, Santa Maria da Vitória, Coribe e Santana.

 

 

Mal acabávamos de rematar estas notas, senão quando escritório adentro nos aparece o Prof. Altair Sales Barbosa que, em pesquisas realizadas no interior do município de Correntina, antigo Rio das Éguas, orientadas por geólogos, etnólogos e estudiosos da Universidade Católica de Goiânia, segundo nos informou, havia tomado conhecimento da existência de índios alevantados, em número superior a 60, que se resguardam do contato com a civilização. Observando o “homem branco” à distância, procura sumir-se na campina, colando o corpo ao chão.

 

 

Salientou ainda o Prof. Altair Sales que, na área da pesquisa efetuada, não se encontra sinal de palhoça, o que nos leva a supor que o selvagem vive em caverna ou lapa e faz uso do fogo discretamente, abafando-lhe a fumaça.

 

 

Se tivermos a fortuna de um encontro com esse grupo arredio  e soubermos captar-lhe a confiança, então é possível que esse remanescente da tribo dos acroá ou de qualquer outra nação que, há três séculos, se afastou totalmente dos civilizados, venha nos trazer valiosas informações. Então, poderemos restaurar sua cultura material, seus usos e costumes, suas superstições e sua crença.

 

 

Publicado originalmente no jornal O POSSEIRO, Santa Maria da Vitória-BA, nº 49, abril de 1984.

 

 

(*) Por Manuel Cruz, reproduzido do jornal O Posseiro na Coluna Travessia, revoada, didivera, do Jornal Brasil Popular. A coluna é de Joaquim Lisboa Neto, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.

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