Chego a um local de votação no Distrito Federal e sou recebido por um tapete de santinhos, jogados aos milhares na entrada de acesso ao Gisno, o antigo Ginásio do Setor Noroeste e atual Centro Educacional nº 2. Mudou a denominação, mas a sigla foi mantida, para assegurar a tradição do ginásio mais antigo da Asa Norte, onde estudei no final dos anos 1970.
Por que tanto papel jogado fora? Estamos em 2022, a urna eletrônica consolidada, o aquecimento global exigindo de nós uma agenda ambiental audaciosa e alguns candidatos ainda jogam toneladas de papel nas ruas, pela madrugada, quando a cidade dorme, para fisgar os eleitores tontos de sono que ainda não escolheram em quem votar. Se uma chuva cair de repente, como costuma acontecer por aqui, toda aquela papelada vai entupir as bocas de lobo e inundar de água, lixo e lama as cidades. Tudo isso por um punhado de votos.
Separo um de cada santinho e vejo que todos aqueles candidatos são, sem exceção, de direita, ou extrema direita. Faço uma foto e mando para o Pardal TSE, o aplicativo criado pela Justiça para denunciar crimes eleitorais. “Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seus segredos sei de cor”, soletro os versos de Chico Buarque.
Mas essa cena que encontrei no meu antigo colégio consegue resumir o que é o Brasil de hoje.
A extrema direta conseguiu agregar em um só campo todas as pautas anti-povo e, ao mesmo, conseguiram dar a elas uma roupagem de pautas antissistema, para ludibriar o eleitor tipo “tiozão do pavê”. Ele pensa que é contra “tudo o que está aí”, quando na verdade defende tudo o que aí está.
E cito o Distrito Federal não apenas por estar mais próximo de mim, mas porque aqui o Brasil se encontra. Somos o maior PIB per capita por unidade da federação e, ao mesmo tempo, temos 200 mil pessoas passando fome na capital federal.
Os números das eleições no DF mostram tudo isso e muito mais. Aqui uma candidata de extrema direita e evangélica foi eleita para o Senado. Mas também aqui um candidato a deputado distrital pelo Psol, gay assumido, foi o mais votado para a Câmara Legislativa. Contradição? Sim. Mas o Brasil é contraditório.
O Partido Verde aqui, coligado ao PT e ao PCdoB, quase coloca o jovem e desconhecido Leandro Grass no segundo turno, batendo nomes de peso da política local. Mas, também, é a unidade da federação onde a grilagem corre solta e a redução de um parque nacional aconteceu com o apoio do Congresso Nacional e em plena campanha eleitoral.
Quem quiser entender o Brasil, talvez seja bom olhar para Brasília com o olhar mais aguçado. A Capital da Esperança, como a definiu o escritor francês André Malraux, talvez hoje se aproxime mais da alcunha colocada nela por um jornalista amigo meu, que a chamou anos atrás de “Brasília: Capital do Brasil Real”.
(*) Por Roberto Seabra, jornalista, escritor e documentarista. É servidor público concursado da Câmara dos Deputados.
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