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Presidente do México, López Obrador assina decreto de nacionalização do lítio

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Nacionalização do “ouro branco” no México desencadeia posições distintas sobre soberania e sustentabilidade

 

 

Andrés Manuel López Obrador chamou a atenção da imprensa internacional neste mês ao mencionar, em tom crítico, a ação de empresários de três gigantes econômicos na exploração do lítio em seu país. O presidente do México decretou, em 18 de fevereiro, a nacionalização do minério, descrito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, como essencial para a transição ecológica mundial.

 

 

Chamado de “ouro branco” e de “petróleo do século XXI”, o lítio é um metal leve, de coloração acinzentada, encontrado sobretudo em rochas e águas salgadas e minerais. Sua aplicação em baterias é citada em um artigo divulgado pelas Nações Unidas como útil para a construção de uma economia livre de combustíveis fósseis, apesar de limitações. Em 2019, três cientistas que criaram as baterias de íons de lítio chegaram a receber o Prêmio Nobel de Química.

 

 

Um dos efeitos do desenvolvimento dessas tecnologias é a crescente demanda por carros elétricos, conforme mostrou um estudo da consultoria AlixPartners, publicado pela Reuters em 2022. Embora os veículos movidos a eletricidade representem cerca de 10% das vendas globais de veículos em geral, a fatia pode chegar a 33% até 2028 e a 54% até 2035. Essa tendência leva montadoras e fornecedores a aumentarem os seus investimentos no setor.

 

 

“O que estamos fazendo agora é nacionalizar o lítio, para que não seja explorado por estrangeiros nem da Rússia, nem da China, nem dos Estados Unidos”, disse López Obrador, em um discurso no pequeno município de Bacadéhuachi, com aproximadamente mil habitantes, no estado de Sonora, que faz fronteira com os estadunidenses.

 

 

Na prática, o decreto (veja íntegra) declara como “zona de reserva mineral de lítio” uma área de quase 235 mil hectares que compreendem Bacadéhuachi, cidade vista com maior potencial de exploração, e outros seis municípios do estado: Arivechi, Divisaderos, Granados, Huásabas, Nácori Chico e Sahuaripa.

 

 

O decreto é mais um passo após uma reforma no Congresso que alterou a Lei de Mineração, em abril do ano passado. Encabeçado pelo governo, o novo dispositivo havia declarado o lítio como um patrimônio da nação. Depois, em agosto, o México criou uma empresa estatal para o setor, a LitioMx, que passa a operar no início deste ano.

 

 

A iniciativa ocorre num momento em que companhias da China, da Rússia e dos Estados Unidos disputam o “ouro branco” na Bolívia, conforme anotou o Financial Times em outubro. O país governado por Luis Arce possui a maior quantidade desses recursos no mundo (veja lista ao fim do texto).

 

 

Na gestão de Evo Morales, houve fortes investimentos na extração de lítio, e hoje a estatal Comibol, sigla para Corporação Mineira da Bolívia, administra a exploração. Segundo boletim da também estatal Yacimientos de Litio Boliviano, a YLB, criada em 2017, houve recorde de vendas de lítio em 2022, com exportações de 600 toneladas, e o plano para 2023 é ampliar o processo de industrialização. Morales chegou a sugerir que o golpe no país em 2019 esteve associado a interesses externos no setor.

 

 

Para o mexicano Jose Arturo Barbosa Moreno, mestre em Engenharia Elétrica e professor do Instituto Tecnológico de Ciudad Madero, a iniciativa de Obrador é bem-vinda, porque o país é marcado pela “entrega” de recursos nacionais a potências estrangeiras.

 

 

Segundo o pesquisador, 70% dos recursos minerais do México são explorados por empresas de fora, principalmente estadunidenses e canadenses. A decisão do governo permite, em sua visão, que o país passe a decidir de que forma trabalhar com o lítio e a aumentar receitas para o estado.

 

 

Ao mesmo tempo, há obstáculos pelo caminho. O primeiro seria a falta de tecnologias mais eficazes para a extração do lítio. Já o segundo consiste na necessidade de assegurar procedimentos sustentáveis na exploração desse minério. O debate é latente entre os estudiosos.

 

 

Segundo Moreno, há problemas na reciclagem das baterias de lítio, porque a decomposição muitas vezes é feita a partir da queima, o que resulta na emissão de gases danosos ao meio ambiente. Ele salienta que o México possui aproximadamente 2% dos recursos de lítio identificados no mundo, ou seja, um patamar que não coloca o país entre os maiores concorrentes. Ainda assim, a postura de Obrador merece atenção, diz ele, por conta da histórica perda de recursos nacionais com baixas contrapartidas.

 

 

“Vamos crescer como país, porque teremos mais opções de ingressos de recursos que necessitamos”, afirma o especialista “Mas, também, não podemos deixar de lado o tema da reciclagem. O manejo dos resíduos deve ser feito de forma adequada, porque, infelizmente, algumas estatais não seguem certos procedimentos.”

 

 

Atingidos por mineração são contrários

 

 

A decisão de Obrador, no entanto, recebe críticas. Primeiramente, causa dúvidas o Artigo III do decreto de Obrador, que diz que ficam a salvo os direitos e as obrigações dos titulares das concessões que estão vigentes na zona dos sete municípios de Sonora.

 

 

Segundo a organização Geocomunes, um coletivo de geógrafos que analisam megaprojetos no México, a região tem concessões das empresas Ganfeng Lithium (China), Rockland Resources (Canadá), Argonaut Gold (Canadá) e Tesla Lithium (México). O grupo diz identificar uma incerteza sobre o que ocorrerá com as concessões e os projetos privados, o que põe sob suspeita a real intenção de “nacionalizar” a extração de lítio.

 

 

Além disso, o conjunto de pesquisadores ressalta um trecho do discurso do governador de Sonora, Alfonso Durazo Montaño, que diz estar aberto à “associação de empresas nacionais e estrangeiras” e que a proteção dos direitos da nação não prejudica as “oportunidades de aproveitamento das jazidas de lítio”.

 

 

Um informe publicado na semana passada diz que a expressão “nacionalização” é usada “de forma errônea” pelo presidente do México, porque, na verdade, o decreto estabelece um modelo misto de exploração do lítio, em uma parceria público-privada. O documento Exploração do Lítio no México – Interesse público ou extrativismo transnacional? foi produzido pelas organizações Rede Mexicana de Atingidos pela Mineração e MiningWatch Canada.

 

 

Eles apontam como possíveis riscos a especulação com o erário público, a partir dos altos custos de investimentos para a construção de infraestruturas adequadas; o aumento do estresse hídrico com a contaminação, uma vez que mais de um terço dos projetos de extração se encontram em zonas de alto risco; e o aumento do uso da força contra comunidades que estejam nos territórios de interesse do extrativismo, “em nome do interesse nacional”.

 

 

O relatório é crítico à lei de mineração anterior, mas afirma que o novo decreto ocorreu “de um dia para o outro” e que promove “mudanças minúsculas e confusas”.

 

 

Em entrevista a CartaCapital, dois membros da Rede Mexicana de Atingidos pela Mineração afirmam que o projeto do governo prolonga uma “dependência da dinâmica de mercado” e reivindicam que o estado, de fato, administre os recursos naturais do país, com uma visão de utilidade pública e que não promova o extrativismo.

 

 

“Utilidade pública é promover a conservação”, diz uma integrante da rede, que preferiu não se identificar, sob a justificativa de se manter em segurança. “A Rede é contrária à mineração, porque não vemos nenhum caso em que não provoque zonas de sacrifício. Nos parece que o estado atenda outros eixos.”

 

 

Obrador é presidente do México desde dezembro de 2018. Os mexicanos voltam às urnas em junho do ano que vem. Como o México não permite a reeleição, o atual presidente deve patrocinar alguma candidatura dentro do seu campo ideológico, o Juntos Haremos Historia, liderado pelo Partido Morena. A disputa política associou Obrador à esquerda, mas ele integra uma “classe política amorfa”, define o relatório da Rede de Atingidos. Já a oposição, Va por Mexico, é composta por elites empresariais à direita, “ferrenhas defensoras da iniciativa privada”.

 

 

Veja ranking das maiores reservas de lítio no mundo

 

 

Segundo o mais recente relatório da U.S. Geological Survey (veja íntegra), serviço geológico dos Estados Unidos, são identificadas no mundo cerca de 98 milhões de toneladas de lítio. O documento elenca os 24 países com maiores recursos:

 

 

Bolívia, 21 milhões de toneladas;

 

 

Argentina, 20 milhões de toneladas;

 

 

Estados Unidos, 12 milhões de toneladas;

 

 

Chile, 11 milhões de toneladas;

 

 

Austrália, 7,9 milhões de toneladas;

 

 

China, 6,8 milhões de toneladas;

 

 

Alemanha, 3,2 milhões de toneladas;

 

 

Congo, 3 milhões de toneladas;

 

 

Canadá, 2,9 milhões de toneladas;

 

 

México, 1,7 milhão de toneladas;

 

 

República Tcheca, 1,3 milhão de toneladas;

 

 

Sérvia, 1,2 milhão de toneladas;

 

 

Rússia, 1 milhão de toneladas;

 

 

Peru, 880 mil toneladas;

 

 

Mali, 840 mil toneladas;

 

 

Brasil, 730 mil toneladas;

 

 

Zimbábue, 690 mil toneladas;

 

 

Espanha, 320 mil toneladas;

 

 

Portugal, 270 mil toneladas;

 

 

Namíbia; 230 mil toneladas;

 

 

Gana, 180 mil toneladas;

 

 

Finlândia, 68 mil toneladas;

 

 

Áustria, 60 mil toneladas;

 

 

Cazaquistão, 50 mil toneladas.96

 

 

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