O nível de participação das mulheres no mundo do trabalho vinha, a passos curtos, melhorando. Mas muito aquém do ideal. E a pandemia do coronavírus colocou uma pá de cal nessa evolução, reduzindo ainda mais a participação delas. Só para se ter uma ideia, o número de mulheres ocupadas no Brasil apresentou o menor índice nos últimos 30 anos, de acordo com o IBGE.
No cooperativismo a realidade não é muito diferente. Especialmente no meio rural. A participação de mulheres e jovens ainda é bem reduzida nas principais decisões a serem tomadas no comando das cooperativas de economia solidária no Brasil, que são responsáveis pela maior parte dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. No entanto, uma parceria com a União Europeia pretende reduzir esse abismo. É o que revela nesta entrevista o presidente da Unicopas, Francisco Dal Chiavon.
Dal Chiavon também falou sobre parcerias com o MST, a atuação da Unicopas no Congresso Nacional, o futuro pós-pandemia e a construção de pontes entre o produtor rural e as populações nas cidades.
A Unicopas desenvolve um projeto com a União Europeia. Em que consiste essa parceria?
É uma parceria que consiste, entre outras coisas, em ações nos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Também tem a perspectiva de atuarmos internamente nas cooperativas, neste caso na participação de jovens e mulheres. Temos uma realidade no Brasil em que a organização das cooperativas sempre se deu entre os homens, adultos e proprietários. Principalmente no meio rural. Estamos fazendo ações dentro das cooperativas de economia solidária com mulheres e jovens para que comecem a participar mais, tanto no meio urbano quanto no rural. Nas cooperativas urbanas há grande participação das mulheres e jovens. A Unicatadores, por exemplo, organiza as pessoas que trabalham no recolhimento de materiais recicláveis e a maioria é mulher. Na Unisol também. Principalmente na organização de empresas de massa falida que passaram para as mãos dos trabalhadores, transformando-a em cooperativas para manter os empregos e a produção.
Como são as ações que a Unicopas faz no Congresso?
Estamos sempre atuando no Congresso. Por exemplo, na aprovação da Lei 735, chamada Assis de Carvalho, que veio para incentivar a agricultura familiar. Na ocasião houve debates onde se previu e a ONU está prevendo também, uma grande onda de fome no mundo após a pandemia do coronavírus. O Brasil é um dos maiores produtores agrícolas, o problema é que toda destinação dos recursos, as políticas públicas que existem são na produção de soja, milho, carne e algodão. Esses produtos são basicamente para exportação. Já o mercado interno é abastecido pela agricultura familiar, que vive desassistida. É preciso equilibrar melhor essa questão e a Lei Assis de Carvalho veio para isso, incentivar a produção de alimentos que vão para a mesa dos brasileiros e dessa forma suprir possíveis desabastecimentos que venham a ocorrer no futuro. Outra ação importante no Congresso foi a aprovação da Lei 137, de autoria do deputado Paulo Teixeira, que cria a política nacional de economia solidária com o intuito de forçar o poder Executivo a colocar a economia solidário no Orçamento da União. Outra ação importante é a proposta 384, do senador Jean Paul, que transforma assentamentos e áreas de agricultura familiar em parques produtores de energia eólica e solar.
Antes da pandemia estavam previstos alguns encontros regionais e nacional, não é mesmo? Depois da pandemia pretendem retomar esse projeto?
Sim. Queremos organizar a Unicopas em nível estadual e nacional, mas depois que a população brasileira estiver vacinada contra a Covid-19. Em âmbito estadual queremos discutir a participação das mulheres e jovens especialmente nas cooperativas de base. Também a organização de todas as cooperativas de economia solidária nos estados. Ela existe, mas está desarticulada. A Unicopas fará essa articulação e estreitamento de relação na área da capacitação, formação, na aproximação do meio rural com o urbano e na gestão das próprias cooperativas. Estamos trabalhando na perspectiva de que se inicie nas cidades uma organização de cooperativas na área do consumo para que possamos aproximar o produtor rural com o meio urbano, retirando o intermediário, que fica com a maior parte da renda, dessa relação, uma vez que o produtor ganha pouco e a população acaba pagando mais caro pelos alimentos por causa disso.
A economia solidária é um projeto muito importante de desenvolvimento rural, levando alimento à mesa de milhões de brasileiros. Como a Unicopas contribui para isso?
Aqui vale destacar o papel do movimento dos trabalhadores sem terra (MST) que estão levando comida para milhões de pessoas necessitadas nessa pandemia. A nossa contribuição é no sentido de fazer com que essa relação entre os trabalhadores urbanos, de baixa renda ou desempregados, se transforme na perspectiva de buscar os alimentos numa organização cooperativista que envolva as pessoas no meio urbano, que estão necessitando de ajuda, com o meio rural. Estamos trabalhando na construção desse elo.