Um ofício-proposta, uma reação irônica e um rebate crítico mostraram, num período inferior a 24 horas, o tamanho da diferença de responsabilidade institucional e da distância política que separam, nestes tempos sombrios, o Palácio dos Leões do Palácio do Planalto em todos os níveis.
Na segunda-feira, diante das previsões pessimistas feitas por autoridades da área econômica federal em relação ao aumento do desemprego por conta da pandemia do novo coronavírus, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), em seu próprio nome e expressando uma preocupação dos governadores do Nordeste, encaminhou ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), o Ofício nº 140/2020, no qual propôs um “Pacto Nacional pelo Emprego”.
Na proposta, o governador sugere que o presidente convoque governadores, presidentes de confederações empresariais e sindicais, e promova o debate sobre como combater o desemprego, que aumentou para 12,9% desde o início da pandemia, e com a previsão, feita pelo Banco Central, de que o PIB brasileiro encolherá 5,95% neste ano, no maior tombo da História do País. No documento, o governador sugere o planejamento urgente de medidas, num processo liderado pelo presidente, para salvar principalmente as pequenas empresas, e com elas os milhões de empregos que geram e mantêm.
O presidente da República não respondeu formalmente ao governador maranhense, mas comentou a proposta em tom irônico, ontem, numa conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada: “Tem governador agora que quer que eu faça um pacto pelo emprego. Mas ele continua com o estado dele fechado”. Não citou nome.
Na sequência, o governador reagiu: “Considero que o desemprego não é assunto a ser tratado com ironias. Espero que o presidente da República leve a sério a urgência de ações efetivas. É impossível tratar do tema no ‘cercadinho’ do Alvorada. Por isso, insisto na ideia do Pacto Nacional pelo Emprego”.
A proposta do governador Flávio Dino e a reação do presidente Jair Bolsonaro revelaram, agora de maneira muito clara, a diferença de mentalidade política que separa os dois governantes. Flávio Dino demonstrou mais uma vez consistência política e visão institucional ao formular uma proposta de pacto em favor do Brasil, e com a consciência institucional de que a construção de um pacto nacional dessa envergadura só poderá ser liderada pelo presidente da República.
Primeiro porque o chefe da Nação tem legitimidade para conduzir processos que digam respeito ao País como um todo, caso do Pacto Nacional pelo Emprego sugerido pelo governador do Maranhão. E depois porque a União é detentora de prerrogativas e instrumentos que, bem usados, podem fazer frente à crise e até mesmo contê-la e recolocar o País na rota do crescimento.
O presidente da República, por sua vez, não tem a mesma perspectiva, sua consciência institucional é superficial e distorcida e sua cultura política é a do confronto regado a ódio, que enxerga adversário político como inimigo. Na célebre conversa de “pé de ouvido” que teve com o seu então ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, minutos antes de uma coletiva de imprensa, na qual apontou o governador do Maranhão o seu pior adversário entre os governadores “de Paraíba”, e determinando ao ministro “tem que dar nada para esse cara”, o presidente exibiu a sua essência política primária, que o distancia enormemente dos presidentes da redemocratização para cá. Sua lógica é a de “destruir o inimigo” a qualquer custo, e não vencer o adversário nas urnas com superioridade política.
Se fosse um político inteligente e pragmático, e não um produto político primário e raivoso, o presidente Jair Bolsonaro não pensaria duas vezes em avaliar com cuidado a proposta do governador Flávio Dino, que é fundada num contexto de aguda crise e respaldada na lógica que move a política, e dela tirar proveito político saudável. Pragmaticamente, reuniria os governadores, ouviria as suas sugestões e construiria um pacto pelo emprego dividindo responsabilidades. Sua reação na conversa de portaria com apoiadores é, infelizmente, reveladora de que Jair Bolsonaro preside uma República sem nada ter de republicano.
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