A vitória de Gabriel Boric nas eleições presidenciais chilenas, no 19 de dezembro passado, nos traz um conjunto de reflexões muito relevantes. A primeira: não é realista tentar repetir as experiências, mesmo que virtuosas. Ainda que possamos estabelecer concretos vínculos afetivos e éticos com a experiência da Frente Popular de Allende, a política expressa e representada por Boric é distinta daquela.
Enquanto Allende expressou e realizou um programa mais definido no bojo das experiências, ainda vívidas, do socialismo real e das revoluções do século XX, Boric expressa um programa distinto, mas igualmente de esquerda. Allende se assentava numa esquerda de organização e num programa baseado na mudança econômica, já Boric lidera um bloco de esquerda de movimento, plural e fragmentado, e seu programa, que tende a ter como centro a defesa e restituição dos direitos fundamentais, civis e sociais, ainda passará por um processo complexo de consolidação.
A segunda lição possível entre tantas: a democracia não significa a superação da extrema direita, do autoritarismo e da expropriação de direitos sociais. Se nas décadas de 1960 e 1970 a extrema direita se articulou e logrou vitórias, com base em movimentos golpistas antidemocráticos e violentos, neste século XXI se reergueu com um difuso e hipócrita discurso de liberdade, por entre as margens de uma democracia normativa absolutamente elitista, portanto antipopular. Sua estratégia golpista, como no Paraguai e Brasil, se baseou no uso de instrumentos da democracia liberal. Jose Antonio Kast expressa a herança pinochetista, mas trata-se de uma extrema direita de rua, ofensiva, paradoxalmente de movimento. Sua grande votação no segundo turno da eleição chilena é um grande alerta. Sua estratégia é utilizar a fragilidade do sistema democrático liberal para questionar a própria democracia como ideia de igualdade.
Lula, igualmente, está diante destas questões da luta política global. Em primeiro lugar, evidentemente, deverá derrotar eleitoralmente a extrema direita neofascista de Jair Bolsonaro. Porém, a construção de seu programa e de seu bloco social de apoio, assim como o reconhecimento sobre o tipo de oposição que terá que enfrentar após a muito provável vitória, são questões estacionadas logo ali na próxima quadra.
As condições que permitiram Lula compor a estratégia chamada por muitos de “ganha-ganha” não existem mais. A força política e econômica do capital financeiro aumentou exponencialmente, a crise econômica internacional e local se aprofundou, o sistema de proteção social do desenvolvimentismo getulista foi destroçado, enfim a realidade da qual partirá Lula para governar não se assemelha em quase nada a 2003.
O próprio bloco de oposição se transformou. A direita liberal-conservadora foi submetida à hegemonia de uma nova direita de caráter reacionário e neofascista. A extrema direita tende a sair relativamente forte dessa eleição, é nisto que Bolsonaro aposta com sua candidatura. Não acreditem que derrotado Bolsonaro sairá do país. Diferente do que Lula enfrentou em seu governo, a oposição será ideológica, de rua, de movimento e seu objetivo não será de “acumular forças” para as eleições seguintes, mas de desestabilização de seu governo. Já vimos que o capital não titubeia em rasgar a constitucionalidade e construir uma realidade paralela se seus interesses não são correspondidos.
Caso Lula opte por construir seu governo com base em uma tentativa de repetição da experiência anterior, tenderá a fazer um governo sem soluções, mesmo que mediadas, para a crise. Terá que ser um governo muito mais “politizado”, ofensivo em sua política internacional no sentido de aumentar a cooperação entre os países periféricos, em especial da América do Sul. Precisará recuperar direitos e aumentar a renda dos trabalhadores para sair da crise. Isso não será bem aceito pela grande maioria da massa de empresários que hoje se alinham com Bolsonaro, exatamente por este ter destroçado grande parcela dos direitos dos trabalhadores. Terá que enfrentar mais assertivamente os aparelhos ideológicos da direita, como as empresas de comunicação, as cúpulas neopentecostais e as altas burocracias estatal, militar e judicial. Seus aliados na burguesia em 2003 hoje se alinham ao bloco reacionário.
Mesmo que queira aplicar uma estratégia de conciliação para aplicar medidas populares, como é sua vocação, Lula precisará ser mais Boric do que Bachelet, mais reformista do que foi, para enfrentar a nova conjuntura. Esse é um paradoxo que terá que saber enfrentar.
(*) Por Jorge Branco, sociólogo, Mestre e doutorando em Ciência Política. Diretor Executivo da Democracia e Direitos Fundamentais.
(**) Este artigo foi publicado, originalmente, na coluna de Jorge Branco no Jornal Brasil de Fato. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Jornal Brasil Popular. Edição: Katia Marko.
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