Um incêndio atingiu um galpão da Cinemateca Brasileira, na Vila Leopoldina, Zona Oeste de São Paulo, pegou fogo, no início da noite desta quinta-feira (29), foi controlado pelo Corpo de Bombeiros Militar de São Paulo, por volta das 19h45. O fogo é mais uma tragédia anuncia que volta a pôr o acervo cultural do Brasil em risco de extinção.
O incêndio começou por volta das 18h, na Rua Othão, 290, endereço de um conjunto de galpões de cerca de 6.356 m² de área construída para guardar um rico acervo da Cinemateca Brasileira. No local, há mais de 200 filmes. Há poucos meses trabalhadores do órgão denunciaram o abandono da instituição.
A administração da Cinemateca é de responsabilidade do governo Jair Bolsonaro (ex-PSL), por intermédio da Secretaria Especial de Cultura, em Brasília, cujo secretário é o ator Mário Frias. Em nota, ele declarou que “lamenta e acompanha de perto o incêndio no galpão da Cinemateca Brasileira” e anuncia que foi pedida uma investigação à Polícia Federal para apurar as causas.
Tragédia anunciada: há 9 dias o MPF avisou do risco de incêndio
No entanto, em audiência realizada no dia 20 de julho, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) alertou, há nove dias, o governo federal para o risco de incêndio. Nas redes sociais, o incêndio gerou indignação, principalmente por causa da condição de abandono deliberado em que se encontra a Cinemateca Brasileira, que reúnem documentos valiosos, filmes e curtas nacionais, entre outros. A extinção da produção audiovisual brasileira parece ser um dos projetos do governo Bolsonaro.
O incêndio é mais uma “tragédia anunciada” no audiovisual brasileiro e na cultura. Ele vem na esteira e no rastro de uma destruição, sistemática, deliberada, de má-fé e sem precedentes da cultura nacional pelo governo Bolsonaro, que tenta apagar a história do Brasil e não deixar nenhum rastro da nacionalidade brasileira.
O projeto de destruição da cultura está claro nas decisões da política econômica comandada pelo banqueiro e Chicago Boy (economista da Escola de Chicago, nos EUA), de não investir o dinheiro público no setor e favorecer setores fundamentalistas que apoiam o governo.
Frias veta Lei Rouanet para o Festival de Jazz da Bahia e libera para arte sacra
Nesta quinta-feira (29), enquanto os galpões da Cinemateca ardiam em fogo, em São Paulo, Mario Frias autorizava a publicação de uma portaria federal que cria o segmento exclusivo para arte sacra no processo de avaliação da Lei Rouanet. Para justificar, Frias afirmou, nas redes sociais, que o “dirigismo da política cultural não é problema, é parte da função do governo”.
No início de julho, ele usou uma justificativa religiosa para barrar o apoio da Lei Rouanet ao renomado festival de Jazz da Bahia. O parecer desfavorável à nona edição do Festival de Jazz do Capão, analisado pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), o ator acusou o evento de “desvio de objeto” porque numa das propagandas havia o slogon “Antifascista e pela democracia”.
Ao ver a decisão do governo Bolsonaro, o escritor Paulo Coelho e sua esposa, Christina Oiticica, entraram em cena com a Fundação Coelho & Oiticica e se ofereceram para cobrir os gastos solicitados via Lei Rouanet (R$ 145 mil), exigindo, do festival, uma única condição: que seja antifascista e pela democracia.
Diante da situação, o Jornal Brasil Popular entrevistou Luiz Fernando Lobo, diretor teatral e co-fundador do Armazém da Utopia, no Cais do Porto do Rio de Janeiro, para analisar a situação e atual gestão da cultura no Brasil. Confira
Entrevista | Luiz Fernando Lobo
Jornal Brasil Popular (JBP) – Qual a gravidade do problema que é Paulo Coelho se oferecer para cobrir gastos de evento que a Funarte recusou apoio?
Luiz Fernando Lobo – É muito grave não pela fundação do Paulo Coelho cobrir. Isso é saudável. O Paulo foi bastante generoso. É uma ação política que ele está fazendo, no melhor sentido da palavra, de assumir um front e botar a fundação dele para fazer coisas que o governo federal tem obrigação constitucional e legal de estar fazendo e que está se recusando a fazer.
O parecer da Funarte é ilegal porque a Lei Rouanet é muito clara: a análise não pode ser de mérito; tem de ser uma análise técnica. Como o festival já captou outros anos, é muito improvável que, tecnicamente, a inscrição deles esteja feita, de alguma forma, errada. Portanto, é sim uma censura política, o que é um absurdo, inconstitucional como, consequentemente, ilegal.
JBP – Que parecer “técnico” é esse que cita Deus? Escola Sem Partido na Funarte? O que significa isso para a cultura brasileira?
Luiz Fernando Lobo – A questão de citar Deus é mais uma prova da inconstitucionalidade porque o Estado brasileiro é um Estado laico, então, cada um pode ter a religião que quiser, mas não pode se valer disso quando está exercendo cargos públicos para tomar decisões públicas. Essa é uma decisão pública. Não é uma decisão de caráter privado, portanto, isso é ilegal e quem assinou um parecer desses deve ser responsabilizado criminalmente.
JBP – Quais os prejuízos que a Funarte está tendo nesta gestão Bolsonaro/Mario Frias?
Luiz Fernando Lobo – Isso para a cultura é um prejuízo enorme. É o desmonte do Iphan, é o desmonte da Ancine, é o cinema brasileiro parado há 2 anos. Projetos importantes que poderiam estar sendo financiados pela Lei Rouanet com os seus pareceres parados, às vezes dependendo apenas de uma assinatura para uma movimentação de conta. Então, é um prejuízo incalculável. O que espero é que os produtores que estão tendo esses prejuízos corram atrás, legalmente, dos seus prejuízos coletivamente ou individualmente. Não se pode deixar agentes do Estado agirem dessa forma. Não se pode deixar isso barato. É uma perseguição clara. É uma perseguição anunciada e a gente não pode deixar isso assim.
JBP – Quais os prejuízos que a cultura está tendo com Mario Frias?
Luiz Fernando Lobo – Não investe na cultura como não está investindo em outras áreas; assim como está pegando o dinheiro da Saúde e colocando em outras áreas; como não está investindo em Educação o que tem de investir. Mas a Cultura, particularmente, além dos investimentos que deveriam estar sendo feitos em outras áreas e não estão, os da Cultura, especialmente, eles pegaram por motivos óbvios a Cultura como inimiga do governo, como inimiga do Estado, e estão penalizando como podem com sérios prejuízos para todas as áreas culturais.
JBP – Conte para o Jornal Brasil Popular a importância da cultura brasileira, da nossa própria produção cultural e para onde está indo o dinheiro que deveria ser investido na cultura?
Luiz Fernando Lobo – A importância da Cultura não pode ser vista apenas num impacto que a não produção cultural tem para os fazedores da cultura. Esse é, sem dúvida, um impacto que interfere em vidas, um impacto que destrói famílias, carreiras profissionais, e, por si só já seria um impacto grande demais. Mas, hoje, a participação da Cultura no PIB brasileiro é enorme, portanto, é economia que não está se movimentando.
E em a economia não se movimentando não tem um impacto só na Cultura. Tem um impacto global em toda a economia do País e a economia da Cultura, no Brasil, há muitos anos, é uma economia muito forte. Portanto, esse impacto, ele, hoje, a gente está falando do que ele está trazendo de impacto para um setor. Mas a avaliação que a gente fará nos próximos anos vai ficar claro que o impacto não foi somente neste setor. Que um setor impactado vai gerando ondas que vai impactando outros setores.
JBP – Por que o governo Bolsonaro não investe o dinheiro público definido na Constitução na cultura?
Luiz Fernando Lobo – Ainda sobre a resposta anterior, o que acontece, nesse sentido também, a cultura de um povo, a cultura de um país, é como esse país se identifica, como esse país se posiciona diante das coisas e a primeira coisa de qualquer país que quer ser livre e soberano, que quer ser independente, é prezar, proteger, incentivar, financiar e democratizar a sua cultura, de maneira que ela chegue a todos os contribuintes e a todos os cidadãos brasileiros.
JBP – Qual o impacto do governo Bolsonaro e do Mário Frias a cultura?
Luiz Fernando Lobo – Uma avaliação de um impacto geral, neste momento, é cedo para se fazer. Não tenho esses dados. Isso aí a gente vai precisar ver, comparativamente, depois, como foi a questão da restauração dos prédios públicos, qual foi o impacto no Iphan, no cinema, no teatro, nas artes plásticas, no setor livreiro, a gente vai saber isso nos próximos anos.
JBP – Qual o balanço estatístico de investimento financeiro, falências, abandono de carreira artística etc. por causa dessa política?
Luiz Fernando Lobo – Aliás, não fazer o Censo 2021 tem uma relação direta com isso e com outros dados básicos. Se a economia está estagnada e se alguns setores estão prejudicados a melhor coisa é eu não fazer o Censo, eu não perguntar para a população as respostas que a população poderia e precisaria dar para a gente pode avaliar o estrago feito, por um lado, pela não observância dessas políticas; e, por outro lado, para se poder projetar a continuidade das políticas em todo o território nacional em todas as áreas e, no caso particular, da cultura.
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