Este fim de semana foi um daqueles em que o Brasil mergulhou nas dores, nas tragédias e nos profundos atrasos históricos que o golpe de Estado de 1964, e sua sanguinária ditadura civil-militar de 21 anos, submeteu o País. Até hoje os brasileiros sofrem os reflexos dessas duas décadas de obscurantismo.
1968 foi o ano em que o general Artur da Costa e Silva instituiu, em 13 de dezembro, o Ato Institucional nº 5, o AI-5. Foi também um dos anos em que os festivais de música brasileira bombavam a cultura nacional. Nesse ano, Caetano Velosou levou ao concurso musical a obra “É Proibido proibir”.
Confira, no final desta apresentação, a letra e o vídeo com a interpretação do artista. Destaco aqui a importância da obra e a dimensão grandiosa que ela assume hoje, neste momento histórico em que o Brasil vive os 59 anos da ditadura e que ocorre poucos meses após as eleições gerais de 2022, que retiraram do poder um dos resquícios vivos dessa tragédia autoritária que durou duas décadas e feriu a soberania do País.
1968 foi um ano de explosões contra o sistema liberal no mundo inteiro. O movimento sindical, estudantil e dezenas movimentos sociais resistiam à sanguinária ditadura civil-militar e enfrentavam o bando fascita que, financiado pelos EUA, havia aplicado o golpe de Estado em 1964 e, desde então perseguia, torturava e assassinava qualquer brasileiro que defendesse o País daquela tentativa de neocolonização.
Em 2018, quando completaram 54 anos desse golpe e 50 anos do famoso e histórico “Maio de 68”, o jornal O Povo publicou um artigo do jornalista Rubens Rodrigo, citando uma das principais obras de arte produzidas e lançadas, naquele ano da década de 1960, que retratam, dentre outras cenas, a de terror que os militares das Forças Armadas brasileiras implantaram no País para impor interesses privatistas de alguns generais e empresários brasileiros e metas colonialistas dos EUA no Brasil.
O artigo trata da obra musical e literária intitulada “É Proibido proibir”, do músico e poeta Caetano Veloso, que, por sinal, foi expulso do País pelos fascistas que estavam no poder. Inspirado nas cenas de protestos organizados pelo movimento sindical e estudantil franceses, de 1968, Caetano Veloso lançou a obra na edição de setembro de 1968 do Festival Internacional da Canção Popular (FIC), realizado no Maracanazinho, Rio de Janeiro.
“É Proibido proibir” é uma tradução literal do slogan “Il est interdit d’interdire!” Esse é um dos bordões que marcaram, em maio de 1968, a luta dos operários e estudantes por mudanças na sociedade francesa. Segundo matérias jornalísticas e estudos sobre a época, havia o desejo coletivo por liberdade na França. Esse desejo foi manifestado por atos públicos nas ruas com slogans revolucionários, irreverentes e, numa mistura explosiva de palavras de ordem e poesia, extrapolou as fronteiras do pais europeu e moveu o mundo.
Do outro lado do Oceano Atlântico, o estribilho inspirou Caetano Veloso, que, atenado com as mudanças do mundo e com a tragédia que o Brasil vivia, no fundo do poço, sufocado por uma ditadura civil-militar sangrenta, não pensou duas vezes, soltou seu grito por liberdade: “É proibido proibir”. O público do Maracanazinho, como até hoje é o povo brasileiro, não entendeu nada e vaiou a obra de arte.
O artigo do jornal O Povo, fala da insatisfação e da ousadia que levaram os estudantes e os operários às ruas francesas por liberdade. Segundo o artigo, esse movimento mudou também a produção cultural no mundo. “É Proibido proibir” está na conta desses slogans eternos, que não só marcaram a sociedade francesa, mas também a da América Latina, notadamente a cultura do Brasil. “Il est interdit d’interdire” (É Proibido proibir, em tradução literal) é “a síntese da turbulência que atravessava o Brasil, comandado por militares desde o golpe que depôs o presidente João Goulart 4 anos antes”, afirma o artigo.
“Caetano Veloso, acompanhado pelos Mutantes, defendia ‘É proibido proibir’. Transformava em canção a frase que, numa foto, leu em um muro de Paris. O protesto contra o conservadorismo, no entanto, vinha com uma provocação ainda maior. Os elementos de rock presentes na música e a entrada performática de um norte-americano no palco soaram como uma submissão ao imperialismo e a plateia não perdoou.
Vaia, tomate, ovos foram arremessados. “Vocês não estão entendendo nada! (…)Essa é a juventude que diz que quer tomar o poder? (…) Vocês estão querendo policiar a música brasileira. (…) Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos”, lançou de volta, Caetano. Tudo naquele teatro era político […]”, diz o artigo do jornalista Rubens Rodrigo sobre os 50 anos do Maio de 1968.
No siteMemórias da Ditadura, o texto sobre Caetano Veloso e o tropicalismo, mosta a produção de um baiano inquieto que desafiou a ditadura militar. Intitulado “Caetano Veloso”, o texto relata o artista como um ser “Inquieto. Muito antes de se firmar como um dos pilares do tropicalismo ou esculhambar a platéia que o vaiava num show histórico de 1968, enquanto cantava “É Proibido Proibir“, Caetano Veloso já era um rapaz inquieto. Foi essa inquietude natural que o levou a abandonar a faculdade de Filosofia e partir de Salvador rumo ao Rio de Janeiro em 1965. Maria Bethânia, sua irmã quatro anos mais nova e também cantora, fora convidada para substituir Nara Leão no show Opinião, um marco daqueles tempos, e Caetano decidiu acompanhá-la”.
Letra da música:
A mãe da virgem diz que não:
Que o anúncio da televisão
Estava escrito no portão
E o maestro ergueu o dedo.
E, além da porta,
Há o porteiro, sim…
E eu digo “não”.
E eu digo não ao “não”.
Eu digo: é proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
Me dê um beijo, meu amor:
Eles estão nos esperando.
Os automóveis ardem, em chamas.
Derrubar as prateleiras,
As estantes, as estátuas,
As vidraças, louças, livros… Sim.
E eu digo “sim”.
E eu digo não ao “não”.
E eu digo: é proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
Caí no areal na hora adversa
Que Deus concede aos seus,
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.
Que importa o areal, a morte, a desventura,
Se com Deus me guardei?
É o que me sonhei, que eterno dura.
É esse que regressarei.
Me dê um beijo, meu amor:
Eles estão nos esperando.
Os automóveis ardem, em chamas.
Derrubar as prateleiras,
As estátuas, as estantes,
As vidraças, louças, livros… Sim.
E eu digo “sim”.
E eu digo não ao “não”.
E eu digo: é proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir
Fonte: Musixmatch
Compositores: Caetano Veloso
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