O governo federal seguiu liberando verba para as polêmicas emendas de relator – o chamado orçamento secreto – mesmo depois da ordem da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber mandando suspender a execução desse tipo de despesa de forma imediata e integral. Dados do Tesouro Nacional a que a piauí teve acesso mostram que o Ministério do Desenvolvimento Regional avançou no processo de liberação de gastos de 5,4 milhões de reais no último dia 8, destinando verbas para a compra de pás carregadeiras, motoniveladoras e escavadeiras para municípios de dez estados diferentes.
“Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do Orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas”, escreveu Weber no final da tarde da sexta-feira, dia 5. A ministra atendeu ao pedido de três partidos (Cidadania, PSB e Psol), que alegaram a existência de um esquema para aumentar a base política.
Nos dias que antecederam a votação da proposta de emenda constitucional que autoriza o governo a gastar mais em ano eleitoral, a chamada PEC dos Precatórios, o governo empenhou 1,3 bilhão de gastos com as tais emendas de relator. O empenho é o primeiro passo da execução do Orçamento, quando há um compromisso de gasto. Antes do desembolso efetivo do dinheiro, a despesa passa por uma outra fase, a liquidação. Foi essa segunda fase que avançou depois da ordem de Rosa Weber. Diferentemente das emendas individuais, em que todos os parlamentares têm direito ao mesmo valor e cada um deles é identificado, as emendas de relator privilegiam deputados e senadores aliados do governo, que não têm seus nomes identificados nos documentos oficiais do Tesouro Nacional, daí serem chamadas de orçamento secreto.
As emendas liquidadas na segunda-feira, dia 8, tratam da compra de equipamentos destinados à terraplanagem, pavimentação e construção em uma única empresa, com sede em Pouso Alegre, em Minas Gerais. A XCMG Brasil Indústria Ltda recebeu dos cofres públicos neste ano 163 milhões de reais. Na segunda-feira, foram sinalizados pagamentos de mais 5,3 milhões para a empresa.
Os documentos do Tesouro Nacional não identificam os municípios beneficiários, mas informam que os equipamentos se destinam a municípios de baixa e média renda de dez estados diferentes, de Norte a Sul do país: Pará, Rondônia, Ceará, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
Até a noite desta terça-feira, a decisão preliminar de Rosa Weber obteve o apoio de outros cinco ministros do STF contrários à liberação de dinheiro público via emendas do orçamento secreto. Formou-se a maioria contra esse tipo de gasto.
Em nota, o Tesouro Nacional informou que aguarda uma decisão final do Supremo para definir se as emendas já empenhadas terão o pagamento suspenso. Neste ano, o governo assumiu o compromisso de gastos de pouco mais da metade dos 16,5 bilhões de emendas de relator do Orçamento, o que equivale a 9,3 bilhões de reais. Desse total, 3,8 bilhões avançaram para a fase seguinte de execução de gastos, a chamada liquidação da despesa. O STF pode proibir o pagamento de todas as emendas que ainda não tiveram o dinheiro desembolsado.
Sobre a liquidação de emendas de relator no dia 8, o Tesouro Nacional informou que a execução da despesa é feita de forma descentralizada pelo governo e seria, portanto, de responsabilidade dos ministérios. “Embora o sistema de pagamento seja o Siafi, que é gerido pelo Tesouro, a execução é toda descentralizada”, afirmou a Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento.
Responsável pela maior parte das liquidações de gastos registradas no dia 8, o Ministério do Desenvolvimento Regional insistiu em que não descumpriu a decisão do STF. Em nota, o ministério só tratou do pagamento de parte das emendas que teria liberado ainda em 5 de novembro, relativos a contratos com a Caixa Econômica Federal, num valor bem inferior aos registrados pelo Tesouro Nacional. “Este Ministério assegura que está tomando todas as providências para o estrito cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)”, informou. A piauí insistiu sobre os dados registrados pelo Tesouro, mas não obteve resposta.
Na nota, o ministério não trata de despesas liquidadas e afirma que não haveria impedimento para o pagamento de emendas de relator empenhadas em 2020, até ordem em contrário. Do conjunto de 19,7 bilhões de rquede emendas parlamentares empenhadas no orçamento de 2020, restava pendente o pagamento até ontem de 12,7 bilhões de reais.
Além das despesas liquidadas, o sistema do Tesouro Nacional registrou na segunda-feira, dia 8, o pagamento de 11,5 milhões de emendas de relator referentes aos orçamentos de 2020 e 2021. Os maiores pagamentos também foram lançados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. O maior deles, no valor de 2,9 milhões de reais, foi para a pavimentação de ruas no município de Cipó, na Bahia. O outro pagamento foi para a compra de caminhões da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
Os ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Regional reúnem a maior parcela de gastos das emendas de relator, as mais caras no conjunto de emendas a que deputados e senadores têm direito no Orçamento. Em 2021, o governo foi autorizado a gastar 33,8 bilhões de reais em emendas de relator, individuais e de bancada, quase o valor destinado ao Bolsa Família. No caso das emendas individuais, cada deputado e senador tem direito a uma cota de 16,3 milhões de reais para destinar dinheiro público a projetos de seu interesse.
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