“O que aconteceu em Roraima foi porque Bolsonaro abriu as pernas”
Garimpeiro, pecuarista e madeireiro, o prefeito de Itaituba, Valmir Climaco (MDB), pede em vídeo nas redes sociais que ninguém abandone os garimpos
Valmir Climaco (MDB) é garimpeiro, pecuarista e madeireiro. Desde que a ofensiva contra a mineração começou em Roraima, toda sua energia está concentrada em convencer as autoridades e também a imprensa de que os garimpos de Itaituba, no Pará, são “diferentes”. Por isso está empenhado em conseguir uma agenda com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para debater a questão, e mantém um diálogo com o governador do estado, Helder Barbalho (MDB), a fim de regularizar a atividade. Na segunda-feira, 13 de fevereiro, convocou uma reunião de emergência com a população pedindo que não paralisassem os garimpos.
O prefeito garimpeiro afirma ser contra o desmatamento, mas em 2019 foi condenado pela Justiça Federal em Santarém a cumprir quatro anos e nove meses de detenção por crime ambiental praticado em Altamira, no sudeste do estado: ele devastou 746 hectares de floresta nativa em área de preservação, além de ter usurpado patrimônio da União, ao explorar matéria-prima sem autorização legal.
Valmir Climaco é também enfático ao afirmar que, na margem esquerda do rio Tapajós, onde está Itaituba, o desmatamento é zero. A afirmação só se aproxima da realidade porque quase toda a área que está fora de unidades de conservação já foi arrasada. Restou pouco para desmatar.
Outro ponto que enche o prefeito de orgulho é dizer que Itaituba foi o município paraense que mais concedeu licenças ambientais para permitir a atividade do garimpo. Somente no dia 9 de fevereiro, dez novas licenças de operação foram liberadas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Mineração do município. As licenças são para explorar ouro e cassiterita e incluem pessoas físicas e jurídicas. Pela lei, a liberação de licença prévia, de instalação e operação de garimpos são de responsabilidade dos municípios. As licenças só passam a ser de responsabilidade do governo do estado para exploração em nível industrial.
É com entusiasmo que Valmir Climaco afirma que teria contraído malária 43 vezes, o que atestaria sua identidade de garimpeiro legítimo. Segundo ele, a informação consta na extinta Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam), um órgão que foi ligado ao Ministério da Saúde e deixou de existir em 1992. “Se você colocar meu CPF lá, aparece que eu peguei malária 43 vezes”. O prefeito garimpeiro também jura que usou o altamente tóxico mercúrio como remédio para curar um “empanzinamento”.
Confira a entrevista que ele deu por telefone a SUMAÚMA, em 14 de fevereiro.
Por que foi convocada a reunião para defender o garimpo?
Porque queremos trabalhar legalizados e porque queremos que as pessoas entendam que o garimpo de Itaituba é diferente do garimpo de Roraima. Nós temos garimpos que tem escola com 600 alunos, como é o caso do Creporizão, distrito de Itaituba, uma comunidade em que todo o pessoal trabalha com o garimpo. Lá tem escola grande, tem posto de saúde, tem creche do governo federal, tem tudo lá dentro e o local não é uma terra indígena. Eu sou contra garimpo dentro de área indígena.
Vocês convocaram a reunião porque estão com medo?
Sim, medo de o governo generalizar, de misturar os garimpos da região com os garimpos em áreas indígenas e áreas de parque [unidades de conservação], porque nós não trabalhamos em área indígena, nem dentro de parque, mas a gente fica com medo e eu conversei com o governador Helder Barbalho (MDB) para saber o que fazer. Ele pediu pra gente pegar uma equipe, as cooperativas, para a gente ir conversar com ele. E nós vamos mostrar pra ele a nossa realidade.
Itaituba vive em função do garimpo?
A gente tem outras atividades, trabalhamos com madeira legalizada com concessão de florestas públicas, com a pecuária e agora estamos plantando soja. Mas 60% do dinheiro que circula aqui é do garimpo. A gente não trabalha qualquer garimpo, é garimpo sustentável, aquele no qual você trabalha e não degrada o meio ambiente, aquele em que a água que você joga no rio é água limpa, aquele em que o garimpeiro não pode deixar buracos no chão, não usa mercúrio, não degrada o meio ambiente.
Como você avalia o que aconteceu em Roraima?
É um absurdo. Lembro que, na época do [Fernando] Collor [1990-1992], o garimpo também foi fechado, depois veio esse maluco do [Jair] Bolsonaro [2019-2022], que incentivava as pessoas a fazerem as coisas erradas, mas não ajudava em nada. Aqui foram queimadas mais de duas retroescavadeiras nesses quatro anos de governo Bolsonaro. Esse Bolsonaro foi o pior presidente que tivemos. Nós comemos o pão que o diabo amassou com ele, e ele botava tudo na conta do STF [Supremo Tribunal Federal], mas a gente sabe que a realidade é outra. O que aconteceu lá em Roraima só aconteceu porque o Bolsonaro abriu as pernas.
Por quê?
Ele [Bolsonaro] queria fazer média com os garimpeiros. Tirou meia dúzia de votos lá [em Boa Vista] e queria fazer média com o povo de lá. Lembra que uma semana antes de ele sair, ele liberou um decreto para tirar madeira de dentro de terra indígena? Pois é, o Lula já acabou com isso, porque é um absurdo.
[A duas semanas do fim do mandato, Bolsonaro publicou a Instrução Normativa IN 12/2022, que liberava a extração de madeira em terras indígenas. A medida foi revogada pela atual ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, no dia 16 de Janeiro.]
Prefeito, é verdade que você fez apostas de que Lula ganharia as eleições?
Fiz e ganhei 9 milhões dessas apostas. Ganhei dinheiro, caminhonete, avião, ganhei tudo.
Você acha que o diálogo com o Lula vai ser melhor?
Sim, o diálogo e a educação ambiental. Eu sou contra o desmatamento, coloque isso no seu jornal. O desmatamento tem que ser zero. Só pra você ter uma ideia, na margem esquerda do Rio Tapajós, que é onde está Itaituba, aqui é praticamente desmatamento zero. Agora na divisa do município de Itaituba com Novo Progresso, Castelo dos Sonhos, eu não dou conta.
O foco, então, é a regularização dos garimpos?
Sim, já temos muitos regularizados, entenda: a gente não tem nada a ver com aquela questão de Boa Vista. Nada. A nossa situação aqui é diferente, o garimpeiro vende o seu ourozinho e vai para o mercadinho. O município que mais concedeu licença ambiental aqui fomos nós, mas a gente também fiscaliza para saber se está tudo certo.
Vocês estão recebendo os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami?
Não. Aqui não tem multidão de garimpeiros que chegou de fora, não. Nós não temos estrutura pra isso. Confesso que faz tempo que eu não vou lá, mas eu acho que aqueles garimpeiros são mais gente da Venezuela e da Bolívia que vivem naquelas beiradas.
Garimpeiro é o seguinte: existe o dono do garimpo e existe o garimpeiro. De tudo o que o garimpeiro produz, 20% é dele e 80% do dono do garimpo. O dono bota PC [abreviação usada nos garimpos para as potentes retroescavadeiras hidráulicas] bota motor, dá feijão, arroz, paga cozinheira. Mas um é uma coisa, e o outro é outra coisa.
Você já bebeu água contaminada com mercúrio?
Bebi. Eu estava empanzinado. Você sabe o que é empanzinado?
Não, o que é?
É quando você tá com a barriga cheia, empachado. Aí eu tomei uma gota de mercúrio com água e fiquei bonzinho.
Você é garimpeiro?
Sou garimpeiro velho. Sou de Ubajara, no Ceará, e comecei a trabalhar no garimpo com 17 anos, em 1977, no Bom Jesus, aqui em Itaituba mesmo. Na minha época era diferente, era manual. A gente trabalhava com um carrinho de mão, depois passou para o motor e depois veio a retroescavadeira. Antes, você fazia um buraco no chão de 1,20 metro x 1,20 metro, igual um poço. Se enfiava lá dentro, tirava a terra e tirava o ouro. São 43 anos trabalhando com garimpo e pegando malária. Agora tô há uns dois anos parado, porque estou meio doente, mas o dia em que eu sair da prefeitura, pode ter certeza, eu tô lá dentro [do garimpo] de novo.
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