Fazendeiros grileiros e seus jagunços voltam a aterrorizar o oeste da Bahia, como faziam nos anos 1960 e 1970. As comunidades ribeirinhas, voltam a sofrer com ameaças, grilagens, invasão de terras e assassinatos.
Este ano, as quadrilhas de jagunços contratadas pelos fazendeiros da grilagem começaram o terrorismo nos primeiros dias. Entre 22 a 24 de janeiro, as comunidades da região que usam o Fecho de Pasto da Vereda da Felicidade, localidade situada no município de Correntina, oeste da Bahia, foram surpreendidas com mais um ataque de grileiros.
A quadrilha invadiu o local e derrubou a casa de alvenaria que os fecheiros estavam construindo para se abrigar na época do manejo do gado. Para não deixar vestígios, o bando utilizou uma pá carregadeira para cavar um buraco e enterrar todo o material de construção que já se encontrava em ponto de madeiramento para o telhado.
Além de enterrar os restos da construção, espalhou toda a brita utilizada, chegando até às margens da Vereda da Onça. Cavou buracos, construindo obstáculos de terra na estrada para impedir o acesso até o local da turbação e esbulho.
Ataques simultâneos em várias comunidades
Segundo denúncia da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no domingo (24/1), “os malfeitores retornaram a área e acabaram com um rancho de madeira construído há mais de 50 anos, local de descanso dos posseiros durante o manejo do gado. E derrubaram mais de 4 km de cerca e currais comunitários usados pelos geraizeiros”, informa.
Os crimes já foram comunicados à Delegacia de Polícia de Correntina, de quem se aguarda que as providências sejam tomadas. A CPT destaca a gravidade deste ataque ao Fecho de Pasto da Vereda da Felicidade e a violência com que tudo aconteceu.
Quase simultaneamente ao ataque do bando de grileiro, enquanto ocorria a turbação e o esbulho da Vereda da Felicidade, em Correntina, na comunidade de Braço do Roçado, município de Barra, também situado no oeste baiano, moradores eram ameaçados por homens armados, enquanto outros ameaçavam derrubar a cerca dos ribeirinhos com um trator.
Fecho de Pasto: conhecimento tradicional, conservação e a preservação do cerrado
Estudos da Organização Não Governamental (ONG) WWF indicam que a pecuária e a monocultura de commodities levaram o Cerrado, segundo maior bioma da América do Sul e único no mundo, a perder 51% do seu território original. Fecho de Pasto de Vereda da Felicidade, no município de Correntina, Bahia, é um dos poucos refúgios de conservação e preservação do bioma que faz o percurso inverso do agronegócio.
O Fecho é utilizado por famílias geraizeiras das comunidades de Mocambo e São Francisco, de Santa Maria da Vitória, Silvânia, Jenipapo e Cobra Verde de Correntina de maneira comunal há mais de um século. A área deste Fecho tem 12.800 hectares de cerrados conservados por estas comunidades. Na região se encontram cinco veredas perenes que delimitam o território, distribuídas geograficamente da seguinte forma: a leste, a Vereda do Cabresto; depois, em direção ao oeste, estão as Veredas da Onça, do Morrinho, das Pedras e, por fim, a Vereda da Felicidade, que dá nome ao Fecho.
Todas essas veredas desaguam no rio das Éguas, ao sul, e, ao norte, há um eixo limítrofe com algumas fazendas. Esse território é delimitado pelas veredas e por cercas de arame antigas e históricas, conforme a tradição das comunidades geraizeiras.
Estas comunidades estão em conflitos com fazendeiros há décadas, com processos judiciais em curso pela disputa de terras, que é fundamental para o modo de vida delas. Na região, além das comunidades ribeirinhas, há resquícios de comunidades de povos originários e quilombolas.
As comunidades ameaçadas e aterrorizadas pelos grileiros, nesta semana, utilizam o fecho para a solta do gado bovino em regime sazonal. Ou seja, soltam os animais em duas épocas do ano, nas primeiras chuvas, entre outubro e janeiro, e, depois, entre os meses de março e maio, para manter conservados as pastagens de suas áreas que estão há mais de 40 km deste território.
A “solta” traz em si um conhecimento tradicional extremamente adaptado ao manejo das pastagens nativas dos cerrados, com destaque para o manejo dos capins “agreste”, o qual é de dois tipos, variando o tamanho das folhas, a “braquiarinha”, o “pereirão”, a “timborna”, o “mangulô”, a “mandioqueira”, a “tiririca”, a “marmelada”,
Os animais se alimentam também da flor do pequi, da fruta do barbatimão e do sabiú. Além do manejo das pastagens, os rebanhos foram selecionados considerando que as fêmeas possuíam maior resistência aos pastos nativos. Na região, além da pecuária, pratica-se, durante os ciclos das plantas do Cerrado, o extrativismo, com destaque para o Pequi, a Aroeira, o Barbatimão, o Buriti, a Favela, e uma centena de plantas com uso medicinal.
Por tudo isso, clamamos por justiça e pedimos a intervenção das autoridades competentes a fim de se evitar mais uma tragédia anunciada no Oeste da Bahia. Inclusive, com risco eminente de derramamento de sangue, visto que tais territórios são fontes de sustento das referidas comunidades.
Com informações da CPT – Centro Oeste da Bahia Núcleo da Diocese de Bom Jesus da Lapa; da Associação de Preservação de Meio Ambiente Veredas da Felicidade; Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia-AATR
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