Na última semana, o Coletivo Nacional dos Eletricitários obteve importante vitória, na Justiça Federal, pela permanência da Eletrobrás como empresa pública.
Nestes tempos “pós-Moro”, em que juízes e promotores voltam a poder livremente atuar de acordo com as leis, e não apenas segundo sentenças previamente proferidas pelo “Tribunal da Rede Globo”, o golaço marcado pela Advocacia Garcez, que assessora os trabalhadores, mereceu apenas notinhas de rodapé pela mídia corporativa, sempre entusiasta torcedora do time dos Piratas.
Mas merece comemoração, sem dúvida, de toda a sociedade, que ainda está na arquibancada, torcendo timidamente, e também deverá vir a campo. Se Deus quiser!
A corajosa magistrada foi a juíza Geraldine Vital, da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que concedeu liminar suspendendo pregão eletrônico, que a diretoria da Eletrobrás nomeada pelo Governo Bolsonaro havia montado para ocorrer em 10 de junho.
O objetivo do certame era contratar serviços de avaliação econômico-financeira da segunda maior empresa pública brasileira. Segundo a decisão, a licitação não pode ocorrer porque coincide com outra, já iniciada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fazer a mesma coisa, ofendendo o princípio da economicidade e eficiência, com dispêndio imotivado de recurso público, tão escasso para o atendimento às reais necessidades da sociedade brasileira.
Está explicado? Dois contratos para fazer a mesma coisa… precisa explicar mais?
Então não desligue sua TV, pois ainda virão muitos gols para o time dos eletricitários que representam o Brasil, pois absurdos cometidos pelo time do governo nessa questão vão fazer Bolsonaro perder essa partida da Eletrobrás de goleada.
Segundo a Advocacia Garcez, que representa os empregados, essa decisão obriga que as avaliações da usina hidrelétrica binacional de Itaipu e da Eletronuclear devam ser feitas pelo BNDES, atrasando a venda da Eletrobrás.
Outro motivo será o fato concreto de que não existe possibilidade física de, como quer Paulo Guedes, separar Itaipu da Eletrobrás ao se fazer a sua avaliação geral, pois Itaipu e Nuclebrás contribuem para o faturamento normal da empresa, uma vez que fornecem a garantia física de geração para todas as demais 48 hidrelétricas que a empresa possui.
“Sem considerar Itaipu, os acionistas podem ser prejudicados, pois o valor de mercado da Eletrobrás fica prejudicado com a retirada das duas empresas, que tem uma prospecção de crescimento e valorização grande”, afirmou a Advocacia Garcez em nota.
E aí fica a pergunta: como Bolsonaro vai conseguir que o Paraguai desfaça o acordo internacional de Itaipu para poder fazer juntamente a “privatarização” da Eletrobrás? Vai arriscar-se a oferecer emendas para comprar votos dos deputados paraguaios como fez com o Centrão?
Ou será que vai prometer uma parte da comissão da venda de energia de Itaipu, como aconteceu em 2019, quando seu colega Mario Abdo Benítez reclamou à estatal elétrica Administración Nacional de Electricidad (Ande) pela demora na negociação do acordo, mesmo quando um assessor do vice-presidente Hugo Velásquez usou o nome da família do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, para intermediar um negócio de venda de energia da Binacional para empresa paulista ligada ao suplente do senador Major Olímpio?
Os eletricitários estão de parabéns, mas precisam melhorar sua relação com a torcida, com a sociedade brasileira, convidando-nos para comemorarmos juntos essa primeira vitória, pois os adversários são muito fortes, e se o time não tem apoio da torcida, jogando em casa, fica muito mais difícil ganhar o campeonato.
Se eu fosse eletricitário, a essa hora estava comemorando na rua, com desfile de escola de samba e carros alegóricos! Uma ideia original, aliás!
Afinal se a Eletrobrás e a Petrobrás forem vendidas para estrangeiros, que ficarão com o monopólio da geração da energia elétrica e da extração, refino e distribuição de derivados, quem será que vai ter condição de se opor aos aumentos que já estão anunciados e de outros que virão?
Lembremo-nos todos, não apenas a turma da geral e da arquibancada – mas inclusive o pessoal das poltronas numeradas – da indústria e do comércio, que a MP 1031 diz explicitamente que a energia vai subir de preço e muito, pois obriga o governo a comprar mais 6.000 MW de usinas termelétricas a gás importado, que custa seis vezes mais caro do que a energia das hidroelétricas da Eletrobrás.
O papel antinacional desempenhado pela grande mídia no Brasil – salvo honrosas exceções – dá uma ideia do perigo que a nação vive, sem conseguir sequer enxergar estar sendo alvo de “tenebrosas transações”, como diz a canção.
Desde a Constituinte de 1988, formatou-se uma matriz de opinião majoritária na mídia comercial para fazer crer que o Estado é que atrapalha o desenvolvimento e a justiça social no País. Segundo esta linha editorial, repetida diuturnamente pelas grandes redes de TV e rádio abertas, ou mesmo pelas publicações especializadas em economia, como Exame ou Valor Econômico, é urgente que o país se liberte da presença da “maldição estatal”.
São disseminadas informações em grande volume, de modo sofisticado, visando produzir, artificialmente, uma raiva do cidadão comum contra tudo o que seja estatal, público e não privado. E, rigorosamente, não existe contraponto, é um discurso único, sufocante, destinado a impedir a reflexão, a rebaixar a avaliação crítica, e, especialmente, a desmobilizar a saudável prática do debate político.
Rigorosamente todos os analistas de economia partem do princípio, uma espécie de mantra, de que estatizar é uma anomalia, um mal social a ser extirpado, pouco importando o sucesso apresentado pela Petrobrás, estatal vanguarda em tecnologia de prospecção em águas profundas, ou a Eletrobrás, uma das maiores empresas de energia e exemplo mundial de integração geração e distribuição de eletricidade em um país continental.
Essa volumosa e sufocante distribuição de “informações” de sentido único – uma espécie de ditadura videofinanceira sobre a nação – simplesmente impede circular a verdadeira informação de que o Brasil só chegou a ser uma das grandes economias do mundo em razão da implantação, na Era Vargas, de empresas estatais decisivas para formatar o nacional desenvolvimentismo, com proteção social e cultural.
À nação é impedido saber que, desde a Revolução de 1930 até 1980, o Brasil foi dos países que mais cresceram no mundo, chegando a alcançar índices de crescimento industrial de 12% ao ano, superior ao que a China registra, de anos para cá, causando admiração mundial.
Mas, ao não ter construído uma mídia capaz de acompanhar, narrar e sustentar, como informações e críticas, este modelo de desenvolvimento, o povo brasileiro encontra-se como presa fácil do capitalismo internacional quer pretende rapinar tudo o que foi construído com a inteligência, a eficiência e o trabalho criativo da nossa gente.
Não se permite debater na grande mídia porque o Brasil tem uma Petrobrás tão eficiente, com tecnologia de vanguarda para descobrir novas reservas de petróleo, e, ao mesmo tempo, a cada dia, paga mais caro pelos derivados, seja a gasolina, o diesel ou o gás. Para que serve este sistema midiático a não ser para impedir a circulação de informação necessária, levando o povo a uma perigosa apatia, que predispõe o país a ser saqueado, agredido rapinado?
Esta é a função deste jornalismo econômico: sufocar o povo com volumosas informações secundárias, e vetar ditatorialmente a circulação de nossas êxitos como Nação, materializados em nossas eficientes empresas estatais. Este expediente venenoso e traiçoeiro, permitiu transformar a Vale do Rio Doce, que foi a maior e mais importante mineradora do mundo, em algo desprezível a ser entregue a preço negativo, sem que os brasileiros pudessem minimamente entender o que diz o poeta ao falar de “tenebrosas transações”.
Este mesmo sistema informativo antinacional confunde e sonega sobre importantes páginas da história brasileira, onde exemplos decisivos de grandes brasileiros foram essenciais para a construção tanto da Petrobrás como da Eletrobrás.
Refiro-me a confidência feita pelo presidente Getúlio Vargas, em janeiro de 1954, ao então governador do Paraná, Bastos Munhoz. O presidente acabara de anunciar em comício na Boca Maldita, em Curitiba, que assinara projeto de lei para a criação da Eletrobrás. Na confidência, disse que “no momento da assinatura tive a sensação de estar assinando meu próprio atestado de óbito”. Apenas seis meses após esta premonitória confidência, Getúlio Vargas estava morto!
O assunto é, portanto, de dramática segurança nacional, não de reles matéria de mercado, como desinforma o suposto jornalismo econômico, extraindo do debate atual sobre a privatização da Eletrobrás a grave ameaça que paira sobre a nação brasileira.
Ameaça à economia popular que terá cada vez menos possibilidade de consumir eletricidade. Ameaça para inúmeras comunidades pobres, urbanas e rurais, que, com a privatização, estarão impedidas de serem alcançadas por programas do tipo Luz para Todos. Porém, a ameaça vai além. A própria indústria brasileira, que precisa retomar o ritmo do crescimento que já teve no passado, e que vem perdendo, perigosamente, com o que o Brasil retorna à condição de produtora de produtos primários, como antes da Revolução de 1930.
E, sobretudo, sem uma Eletrobrás estatal, a integração energética do Brasil estará, também, sob ameaça, tornando vulnerável a indústria de defesa, sem a qual as Forças Armadas não poderiam, em caso nada remoto de intervenção externa, ter condições de defender a soberania e a integridade territorial.
Sem eletricidade sob controle estatal – como o é nos EUA, sob controle militar – a indústria do petróleo não terá funcionamento garantido. Petróleo e eletricidade andam de mãos dadas, e ambas sob o domínio do mercado, este por sua vez dominado por capitais externos que defendem os interesses de potenciais imperiais contra a integridade do Brasil.
Fatiado o sistema elétrico nacional, hoje integrado pela Eletrobrás, a privatização favorece aos interesses geopolíticos imperiais, cada dia mais praticantes do intervencionismo, como demonstram as trágicas experiências da Iugoslávia, da Líbia e do Iraque.
Beto Almeida é jornalista, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), conselheiro no Jornal Brasil Popular, membro da Junta Diretiva da Telesur e apresentador do programa Latitud Brasil, diretor da TV Comunitária de Brasília.
O autor grafa Eletrobras e Petrobras com acento agudo no “a”
Reprodução do site Monitor Mercantil
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