Já se passaram dez anos sem o Comandante Hugo Chávez e seu impulso arrebatador para explicar aos povos do que se trata a Revolução que há que construir. Sim, a Revolução com maiúsculas, que não é o mesmo que apelar aos atalhos reformistas ou social-democratas aos quais alguns intentam nos acostumar. Porque se há algo que Chávez foi percebendo claramente ao calor de sua prática é que, para que qualquer sociedade cresça seriamente, se desenvolva e gere uma vida digna para suas gentes, [e isso] não é suficiente com panos frios ou atitudes possibilistas, senão que há que dar uma sacudida em tudo e gerar uma transformação profunda. Custe o que custar.
Se nos quedamos a pensar [sobre] as idas e voltas do continente desde que ele partira para a eternidade, nos surpreenderíamos que tudo isso tenha ocorrido em tão pouco tempo. O neoliberalismo que o Comandante Supremo enfrentou com as armas nas mãos ao intentar derrocar pela via dos levantamentos cívico-militares em 1992 segue instalado em alguns países mais que em outros de Nuestramérica. Isto provocou retrocessos em matéria econômica, política, social, cultural e a nível de relações externas após a irrupção de mandatos que vão desde ditaduras de novo tipo como as de Abdó Benítez, Dina Boluarte, Bukele, Giammatei ou Lasso até tíbios que esgrimem discursos progressistas e terminam se subjugando ante o FMI ou às multinacionais espoliadoras. Entre as novidades alentadoras, vale nomear o regresso de Lula, a governança de Lucho Arce e Choquehuanca na Bolívia e um López Obrador, que nos últimos tempos diz ao império o que em seu momento, com mais paixão, lhes acusava Chávez. Estas últimas experiências contêm a carga positiva, que, apesar de seguir apostando no capitalismo, conseguiram arrancar do tabuleiro experiências de governo altamente destruidor e devastador para seus respectivos povos.
Frente a esse panorama, é bom para a memória e a saúde coletiva evocar a Chávez, que como seu mestre Fidel foram vendavais de paixão e energia, militantes da ética e da coragem audaz dos que querem mudar tudo e põem o corpo em cada iniciativa que enfrentam.
Contundente na hora de tomar decisões, sobretudo aquelas que tinham a ver com os interesses de sua querida Venezuela. Apaixonado e entusiasta na defesa dos mais humildes, aos quais dedicou todos e cada um dos dias de seu mandato. Procurador da unidade para todos juntos golpearem ao Império, algo que demonstrou não só na política interna como também na doutrina que assentou a nível de Latinoamérica e o mundo. Cerebral e com os pés na terra quando se tratava de abrir as portas ao debate -inclusive com seus inimigos mais ferozes- e na hora de formular ideias que permitiram acercar posições que estavam nas antípodas. Assim era Hugo Chávez.
Forjador das armas mais potentes para enfrentar os embates dos Bush, dos Obama [a saber os petardos que estaria dizendo aos Trump ou aos Biden], essas que não se carregam com balas senão que com o desenvolvimento de uma consciência sólida e vital, recolhida da história de luta de nossos povos. Só ele e ninguém mais que ele teve a lucidez para se dar conta de que havia chegado a hora de encaminhar o continente para a Segunda Independência que tanto se nos tem negado e que ainda segue sendo matéria pendente. Resgatador de nossos próceres construtores de proezas, aos quais extraiu do mármore ou do bronze e converteu em atores de inusitada vigência.
Bolívar, San Martín, Sucre, Manuelita Sáenz, O’Higgins, Guaicaipuro, Túpac Amaru, Simón Rodríguez, Sandino, Evita Perón e evidentemente ao Che Guevara. Com eles na mochila, convocou a resgatar a Pátria Grande das mãos feito garras do Norte brutal. Denunciou o enxofre derramado por Bush na tribuna da ONU e lhe aplicou um soberano pontapé no traseiro, naqueles dias gloriosos em que a ALCA foi demolida por um grupo de presidentes que o apoiaram.
Pensando nos meninos e nas meninas, nos anciãos e nas anciãs, nos condenados da terra [este Comandante feminista e antipatriarca] introduziu a linguagem de gênero na política, como ninguém antes o tinha feito], deu força às Missões e as converteu em imprescindíveis na hora de desenvolver sua gestão. Driblou as burocracias ministeriais e, como se fosse um coelho que o mago saca da cartola, entregou a seu povo a possibilidade de se alfabetizar plenamente, de obter atenção médica gratuita com a Missão Milagre, com a mão da Cuba solidária. Possibilitou aos pobres terem acesso, pela primeira vez em décadas [ou em séculos], às Universidades. As Missões se converteram em rio correntoso e em bandeira de engate das grandes maiorias: moradias para todos e todas, o Mercal alimentar para romper com as cadeias dos intermediários, a Missão Música, o Banco da Mulher, a prática desportiva nos bairros, a Missão Ciência, ou a Che Guevara [de formação socialista], a Missão Negra Hipólita, ou a das Mães do Bairro. Não eram suficientes os dias do ano para enumerá-las e a todos elas o Comandante lhes imprimiu seu impulso pessoal, sua sapiência e suas horas sem dormir para que se tornassem realidade. A Chávez Frías, o neto de Maisanta, guerrilheiro andarilho, recordamos nestas apertadas e insuficientes linhas.
Porta-estandarte das e dos trabalhadoras/es venezuelan@s que durante os governos neoliberais tinham sofrido o repetido desprezo de suas demandas salariais, por parte dos governos da Quarta República que postergavam em conluio com as câmaras empresariais. Chávez decidiu desde o começo de seu mandato a gerar uma central sindical bolivariana que deixasse de lado os manejos burocráticos da antiga estrutura gremial, conciliadora, burocrática e intimamente relacionada com os padrões de Fedecâmaras.
Filho proclamado de Fidel, junto a ele plasmaram um furacão que percorreu o continente derramando ideias, força, sabedoria e essa particular forma de recriar a política sem especulações de nenhum tipo. Ao som de semelhante duo nasceu a ALBA, dotando a América Latina e o Caribe de uma ferramenta eficaz para se impregnar de solidariedade, ombro a ombro. Porém não só isso, senão que soube mostrar ao mundo que coms gringos se lhes podia falar de igual para igual, sem titubeios nem submissões, como tinha vindo ocorrendo até que as nações afroindoamericanas recuperaram sua autoestima e se lançaram a andar. Essa foi sua primeira façanha, porém logo foi mais adiante e ajudou [com uma paciência inestimável] a construir a Celac e a Unasul, juntando a todos –de direita a esquerda- porém sem a tutela norte-americana que lhes marcasse o roteiro. Chávez o fez e sua marca foi percorrida por outros como ele, nascidos das lutas em Bolívia, Nicarágua, Equador e tantos outros lugares.
Impecável na hora de falar ao povo com a verdade. Maldizendo a tutela ianque, ou sacudindo desde cima aos diplomatas sionistas, agressores da Palestina ocupada. Com uma linguagem didática, foi explicando à sua própria gente que havia que se manter alerta contra os golpistas de dentro e de fora. Propôs, recordando sua própria experiência naquele fatídico 2002 da matança de Puente Llaguno, seu sequestro em La Orchila, o resgate por parte daqueles que baixaram dos morros a demonstrar seu amor e sua lealdade, o golpe petroleiro e sua própria decisão de se radicalizar ao máximo para não dar a outra bochecha a seus inimigos. Em verdadeiras assembleias populares de quase dois milhões de almas, soube dar as indicações precisas para que as milícias começassem a ocupar um espaço necessário, porém também valorizou o papel meritório que no processo revolucionário vinham as Forças Armadas jogando, que sob seu mando se comprometeram junto aos bolivarianos da base da pirâmide. Hugo Chávez foi o motor fundamental de tais façanhas.
Agora que seu legado foi recolhido por milhões [de pessoas] no mundo e que seu companheiro de tantas lutas, Nicolás Maduro, preside o país com coragem e uma lealdade indiscutível, é hora que redobremos a homenagem a quem indubitavelmente caiu combatendo, numa palavra de ordem patriótica “vitória ou morte”. Que outra coisa foram esses dias de luta a braço partido contra esse câncer que lhe queimava o corpo porém não lhe fazia retroceder em sua força ideológica e discursiva. Quem não se lembra, sem que se arrepie a pele, daquela tarde caraquenha do 4 de outubro de 2012, quando, sob um verdadeiro dilúvio, o Comandante escalou o palco e ante uma multidão incrível gritou Viva a Revolução!? E convocou a fazer o esforço final para obter o triunfo nas eleições iminentes. O pau d’água que caía sobre sua enorme figura não conseguiu arredá-lo, tampouco pôde com ele a brutalidade da dor que lhe provocava a maldita enfermidade que nos lhe arrebatou meses depois. Arrancando forças de seu amor por aquela maré vermelha que o escutava extasiada, agitando bandeiras e cantando palavras de ordem, Chávez falou para a posteridade e proclamou o triunfo contra a oligarquia e o Império. Esse era seu estilo e sua prática. Pôr seu corpo até as últimas conseqüências. E, por isso, não tenhamos dúvidas. O Império decidiu assassiná-lo.
Hoje que recordamos o décimo aniversário de sua semeadura, a figura do Comandante eterno Hugo Chávez e o exemplo que soube nos dar reforçam a necessidade de redobrar a solidariedade com a Venezuela Bolivariana, fustigada pela guerra econômica e em clima de golpe latente por parte de uma oposição em retrocesso porém que continua contando com apoios externos. Sobretudo, da constante ingerência estadunidense. Mas também, e não podemos nos calar, por inimigos que, como aquele cavalo de Troia, conspiram e fazem muito mal desde os âmbitos da corrupção interna.
Voltamos sempre a Chávez e suas ideias, não fraquejemos na luta, situemo-nos na rebeldia dos povos, como os de Peru, Equador, Haiti, a Síria de Bashar al Assar, o Irã anti-imperialista, o Líbano de Hezbollah e sempre, absolutamente sempre, a Palestina insurgente contra o sionismo criminoso. Não equivoquemos o caminho e respaldemos a campanha desnazificadora e contra a OTAN que a Federação Russa leva à frente. Não abandonemos as ruas ante os cantos de sirena do reformismo, reivindiquemos a necessidade de batalhar contra o império e o capitalismo patriarcal ali onde intente infiltrar suas ideias de morte, geremos auto-organização para a autodeterminação e autogestão como fórmula de autodefesa. Abracemos as comunas que o Comandante tanto impulsionou.
Dessa maneira, seguiremos cumprindo com o legado de Chávez, que nos pede ações e não só palavras.
(*) Por Carlos Aznarez. Tradução > Joaquim Lisboa Neto
Acessar > https://www.telesurtv.net/bloggers/Extranando-a-Hugo-Chavez-20230303-0001.html
(*) Por Joaquim Lisboa Neto, coordenador na Biblioteca Campesina, em Santa Maria da Vitória, Bahia; ativista político de esquerda, militante em prol da soberania nacional.
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