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Bolsonaro queria um golpe “dentro das quatro linhas”

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Em café da manhã no Palácio do Planalto com um grupo de jornalistas na manhã de quinta-feira, Lula observou que no ataque terrorista de domingo seu gabinete só não foi invadido porque os invasores estavam orientados a preservá-lo, ao contrário do que fizeram, por exemplo, com salas da Secom, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência, e a sala de Janja, sua mulher, nas quais a destruição foi total.

 

Preservaram o gabinete presidencial, acrescentou Lula, a fim de deixá-lo pronto para a volta de Bolsonaro, se e quando o golpe desse certo e lhe devolvesse o poder. Esse cuidado poderia ter sido uma decisão tomada na hora pelos invasores? Ou os cabeças do grupo invasor tinham recebido orientação prévia do comando superior da operação? Claro que isso estava nos planos do golpe, não foi decisão tomada na hora.

 

Horas depois do encontro de Lula com os jornalistas, surgiu a notícia de que a Polícia Federal encontrara na casa de Anderson Torres, o ex-Ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-Secretário de Segurança do governo do Distrito Federal, a minuta de um estapafúrdio decreto a ser assinado por Bolsonaro, estabelecendo o estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, de modo, segundo o noticiário, “a permitir a alteração dos resultados da eleição presidencial”. 

 

A publicação da íntegra da minuta, na sexta-feira, mostrou que não se tratava de alguma coisa rascunhada à mão por algum “popular” que a teria oferecido a Anderson num encontro fortuito. A minuta foi escrita em computador por autor ou autores com boa experiência jurídica e conhecimento detalhado da Constituição, mas as regras que estabelece são tão estapafúrdias que ela pode ter sido concebida a partir de indicações de Bolsonaro, para promover um golpe de Estado “dentro” das tais quatro linhas da legalidade constitucional a que ele tantas vezes se disse fiel.

 

Segundo a minuta, redigida já em artigos e parágrafos, como um novo AI-5, a decretação do estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral teria como primeira consequência a criação de uma “Comissão de Regularidade Eleitoral” composta de oito representantes do Ministério da Defesa e mais alguns de outros órgãos, com a maioria sempre garantida a representantes de órgãos do governo e sobretudo aos oito do Ministério da Defesa, indicados pelo respectivo ministro. Um deles seria o presidente da comissão e executor das medidas de defesa, com poderes até para prender ministros do TSE.

 

Como um novo AI-5, o decreto suspenderia também a validade de qualquer sentença judicial que viesse a ser dada posteriormente e que contrariasse decisões da tal comissão, o que impediria qualquer recurso ao Supremo.

 

Na cabeça de Bolsonaro, tudo isso estaria dentro das quatro linhas. A dois dias da posse de Lula e prestes a levantar voo para a Flórida, ele voltou a falar nelas, já depois do episódio da bomba encontrada num caminhão carregado de querosene no acesso ao Aeroporto de Brasília, cuja explosão poderia ser o detonador do golpe. Nesse pronunciamento ele disse:

 

— Está prevista a posse agora dia 1º de janeiro. Eu busquei, dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeito à Constituição, saída para isso daí. Se tinha uma alternativa para isso. Se a gente podia questionar uma coisa ou não questionar alguma coisa. Tudo dentro das quatro linhas.

 

Nem dentro nem fora das quatro linhas Bolsonaro conseguiu impedir a posse de Lula, mas o projeto do golpe não foi arquivado.

 

O objetivo das ações golpistas e terroristas de domingo contra o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal era, evidentemente – embora a quase totalidade de seus milhares de participantes não soubesse disso –  que Lula acionasse o mecanismo da GLO, a Garantia da Lei e da Ordem, de modo a levar para as ruas contingentes do Exército que assumiriam a responsabilidade pela ordem pública. A partir daí, novos atos terroristas, como bombas desativadas a tempo e torres de energia elétrica derrubadas, espalhariam um clima de pânico que criaria uma nova situação em que tudo poderia acontecer.

 

Lula, porém, optou por decretar a intervenção nos órgãos de segurança do governo de Brasília e seu gabinete no Planalto ficou inteiro –  e inutilmente à espera de Bolsonaro.

 

Na manhã de sábado, a chegada a Brasília e a prisão de Anderson Torres abriu novas perspectivas de esclarecimento dos fatos, dependendo da escolha de ele fizer: sua prioridade será tentar a blindagem de Bolsonaro ou a dele próprio?

 

 

(*) Por José Augusto Ribeiro – jornalista e escritor. Publicou a trilogia A Era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.

 

 

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