Segundo a sempre bem informada Thais Oyama, no site da UOL, e ao contrário do que escreveu Bolsonaro em seu post após a internação, não foi a facada que ele sofreu em 2018 na campanha eleitoral a causa direta da oclusão intestinal que o levou ao hospital. Thais ouviu de pessoas próximas a Bolsonaro que ele estava revoltado com o derretimento de seus índices nas pesquisas e irritadíssimo com os sucessivos aumentos da gasolina pela Petrobrás.
De fato, o que o noticiário registrava nos dias anteriores, a respeito das manifestações públicas de Bolsonaro, era, por exemplo, que ele estava “cagando” para a CPI e, em outra oportunidade, que seu cocô era igual ao dos interlocutores no cercadinho do Alvorada. Nunca antes o escatológico chegara a essa explicitude: Blsonaro é sempre “invocado”, como se dizia numa gíria antiga, sempre zangado com alguma coisa, sempre perturbadíssimo diante de qualquer contrariedade, mas nunca a esse ponto.
É inevitável que uma personalidade esquizofrênica como a de Bolsonaro sinta revolta quando se percebe rejeitado pela maioria em geral do eleitorado e até recusado pela maioria dos que votaram nele em 2018 e não pretendem repetir o voto. É inevitável que ele reaja com fúria a esses percentuais em baixa acelerada – percentuais que, para ele, só podem ser resultado de fraude nas pesquisas.
Mas um especialista em questões de comunicação, Reinaldo Politto, observou naquele momento que Bolsonaro estava a ponto de explodir emocionalmente. Sempre tenso, nunca relaxado, sempre de cabeça quente, somatizando em refluxo do alimento e soluços ininterruptos, Bolsonaro agrediu-se também para dentro e de certo modo “explodiu” para dentro.
Não deixa de ser sintomático que, além das pesquisas, ele se irritasse com os aumentos da gasolina, que só aumenta porque ele permite, de pura teimosia.
Esses aumentos são impostos pela Petrobrás, que desde o governo Temer alinha o preço dos derivados aos preços internacionais. A Petrobrás não precisaria fazer isso e só faz em benefício dos belos dividendos que paga a seus acionistas privados, minoritários e, em particular, estrangeiros, sem levar em conta que seu acionista principal é a União, é o país, representado por seu governo. Como lá no começo decidiu alinhar-se a esse alinhamento, Bolsonaro não admite de modo algum mudar de posição, para não admitir que estava errado.
Ele não pode admitir também a hipótese de uma derrota nas urnas e está convencido de que só a fraude pode recusar-lhe a reeleição, assim como só a fraude pode rebaixá-lo nas pesquisas. Nesse delírio, Bolsonaro já chegou a dizer que em 2018 venceu já no primeiro turno e que em 2014 não foi Dilma que derrotou Aécio Neves e sim Aécio que derrotou Dilma (o que o próprio Aécio contesta).
Nisso Bolsonaro mimetiza seu ídolo Donald Trump e deve estar convencido de que Trump só foi despachado da Casa Branca por uma conspiração em que o Congresso, a mídia e os militares foram cúmplices de um golpe branco.
No hospital, Bolsonaro deve ter ouvido dos médicos que não pode continuar assim, sempre tenso e furioso, e que agride a si mesmo quando pensa estar agredindo os adversários, a CPI, o Congresso, o Supremo e qualquer outro alvo que o acaso lhe ponha pela frente.
Essa agressão a si mesmo já aconteceu muitas vezes, desde o começo do governo, quando Bolsonaro desconfiou paranoicamente de auxiliares como Gustavo Bebiano, o General Santos Cruz, o Ministro Luís Henrique Mandetta – e o próprio Sérgio Moro. Pois Sérgio Moro reaparece agora. como candidato à Presidência, disputando o mesmo eleitorado conservador de Bolsonaro e se oferecendo a este como seu novo e obscuro objeto de rancor e agressão, que não deixará de ser uma nova autoagressão.
(*) José Augusto Ribeiro – Jornalista e escritor. Publicou a trilogia A era Vargas (2001); De Tiradentes a Tancredo, uma história das Constituições do Brasil (1987); Nossos Direitos na Nova Constituição (1988); e Curitiba, a Revolução Ecológica (1993). Em 1979, realizou, com Neila Tavares, o curta-metragem Agosto 24, sobre a morte do presidente Vargas.